NEPOTISMO E FAMÍLIA DOMINANTE NA POLÍTICA PARANAENSE


“A política vem se tornando negócio de família no Paraná”



Ricardo Costa de Oliveira, cientista político e professor da UFPR.
É au­­tor de um dos mais comentados livros sobre política no Paraná. O livro O Silêncio dos Vencedores, de 2001, mostra que a cena política local é e sempre foi dominada por algumas poucas famílias que se perpetuam no poder. Agora, o professor, que ensina ciência política na Universidade Federal do Paraná, prepara um novo volume, que deve causar igual polêmica.
A obra A Teia do Nepotismo deve ser lançada no primeiro semestre de 2011. E faz uma longa relação da contratação de parentes por parte dos políticos paranaenses. Segundo o professor, o Paraná é um estado onde a prática mais prospera. Casos recentes confirmam a tese: Roberto Requião (PMDB), no governo, nomeou três irmãos para cargos públicos, além da própria esposa; Beto Richa mesmo antes de sua posse já havia nomeado o irmão e a esposa para o futuro governo; e o prefeito Luciano Ducci, além de acomodar a primeira-dama, nomeou dois parentes do aliado Beto Richa.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o professor relata por que o nepotismo é tão exacerbado no Paraná. Confira:
O nepotismo é mais comum no Paraná do que em outros estados?
Nepotismo é a relação entre parentesco e Estado. O fenômeno do nepotismo é um sintoma da presença de instituições políticas frágeis. O nepotismo está sempre associado com desigualdades sociais, formas de patronagem e de clientelismo político. O próprio Estado é controlado por interesses privados e não há controles públicos entre os poderes porque o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e órgãos como os tribunais de contas e o Ministério Público são formados por grandes redes de favores e de parentesco. Os partidos políticos desaparecem como instituições e a política se resume aos negócios de famílias com seus interesses e dependências pessoais. Estados como o Paraná e os estados nordestinos têm longas histórias políticas de oligarquias familiares atuantes nas últimas décadas.
A prática vem diminuindo?
O nepotismo vem aumentando. Por incrível que pareça o regime militar, com Ney Braga, renovou mais pela direita a elite política paranaense do que 30 anos de redemocratização. Os militares foram os únicos que enfrentaram uma liderança como o falecido Aníbal Khury, quando quase todos os grupos políticos se associaram e se tornaram cúmplices de seu estilo de gestão patrimonial na Assembleia Legislativa nos últimos 30 anos. A grande novidade é que hoje o Paraná já há uma imprensa moderna, plural e de qualidade.
Quem são os campeões de nepotismo no Paraná?
Os campeões de nepotismo todos fizeram estágio na Assembleia Legislativa. O núcleo do poder Legislativo (e por consequência o Tribunal de Contas) estrutura relações políticas arcaicas e clientelísticas na política paranaense. Se o governador Roberto Requião de Mello e Silva caracterizava o nepotismo militante, agora podemos afirmar que o nepotismo está no próprio centro do poder com Beto Richa, ele mesmo um produto do nepotismo parananese dos últimos 30 anos. Claro que eles começaram as suas carreiras políticas na Assembleia como deputados, mas ambos representam famílias políticas extensas. Há cerca de 30 famílias políticas controlando o poder político contemporâneo no Paraná e se reproduzindo politicamente no século 21. Eu as analiso no meu próximo livro, A Teia do Nepotismo.
A súmula antinepotismo do STF reduz os casos?
A súmula do STF só promoveu o nepotismo para o primeiro escalão. Antes ainda havia alguma resistência. Agora o nepotismo está em supersecretarias como no caso de José Richa Filho. Toda a infraestrutura e as obras públicas, com as relações com as empreiteiras e fornecedores, fazem parte dos negócios da família governamental. As conexões das políticas sociais e cargos familiares na prefeitura também formam o quadro do nepotismo para o início do governo Richa, com parentes no secretariado estadual e municipal ao mesmo tempo.
O que mais poderia ser feito para combater o nepotismo?
O nepotismo, para existir e triunfar, deve cooptar os outros poderes. Aí nós entendemos os grandes aumentos salariais no fim do ano para os deputados, os secretários, os cargos comissionados, os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. A maior vergonha pública no Brasil é a diferença entre o salário de um deputado e de um desembargador em relação ao de um professor do ensino fundamental ou de um policial.
Existe algum indício de que os eleitores se importam com a prática?
O nepotismo existe no meio de grandes carências pessoais, no meio de um eleitorado pobre e sem cidadania, dominado pelo clientelismo, com redes e estruturas de dependências pessoais. Um município pobre só ganha recursos se votar nos poderosos de plantão da Assembleia. Uma administração moderna, transparente, com concursos públicos e sistemas racionais de meritocracia na burocracia e no orçamento do Estado são fundamentais. O que diminuiria os privilégios para os políticos profissionais e comissionados, limitaria o fenômeno do clientelismo e do nepotismo. Somente a modernização, o planejamento de nossas instituições políticas e a criação de modernos partidos políticos poderá desenvolver a nossa cidadania e democracia frente a essas questões. Eleitor educado e organizado é eleitor mais consciente.
Qual a principal conclusão a que o senhor chegou durante a pesquisa para seu novo livro?
A conclusão é que temos praticamente uma “casta” hereditária de políticos profissionais. A política vem se tornando negócio de família e negócio de ricos. As eleições são caríssimas e muitos só querem o extrativismo estatal; isto é, só querem ganhar muito, ganhar mais e rápido dentro do aparelho estatal.
Os políticos fazem um discurso hipócrita quando combatem o nepotismo alheio?
Lamentavelmente o nepotismo militante tornou-se uma marca central da política paranaense desde a redemocratização dos anos 80. Os políticos profissionais, que nos prometeram mudanças, tornaram-se as novas famílias governamentais e constituíram grandes redes políticas de nepotismo, com consequências muito problemáticas para a modernização e transparência no Paraná. A Assembleia Legis­­lativa, a casa da democracia no Poder Legislativo, é a cara da política paranaense sob o signo do nepotismo e das irregularidades. Nas eleições de 2010 a grande maioria dos novos parlamentares integra a bancada de filhos e parentes de políticos profissionais, que é a maior da Assembleia.
É comum a prática de nepotismo cruzado?
O nepotismo cruzado existe também do ponto de vista institucional. Um poder beneficia o outro e ambos têm uma relação de cumplicidade entre si. O recente aumento de salários e de vantagens para os deputados (e para o poder Legislativo como um todo) teve uma contrapartida nos aumentos generalizados para o poder Judiciário, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e até mesmo as custas judiciais e os cartórios foram beneficiados. O que mostra que todos os poderes ganharam muitas vantagens e benefícios repartidos somente entre eles, quando os mesmos poderes e instituições deveriam mutuamente se fiscalizar e se controlar, o que não acontece também em função de complexas redes de interesse e de parentesco, muitas atravessando os vários poderes e instituições.
Qual poder pratica mais o nepotismo? Como ele ocorre no Judiciário?
O Judiciário recebeu muitas críticas sobre o seu tradicional nepotismo e é um poder que teve de se modernizar em termos de contratações de parentes. O fato é que muitas carreiras jurídicas também são determinadas por parentesco, como mostra uma recente tese de doutorado sobre o Judiciário brasileiro : A Nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil. A magistratura paranaense também é caracterizada por determinadas relações de poder pautadas no parentesco, como pesquisas atuais sobre o judiciário regional revelarão. Muitas vezes os mesmos sobrenomes aparecem nos diferentes poderes, mas a modernização, a transparência, a meritocracia e a democracia triunfarão.

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